Nat

Isso mesmo: outro post da série Obras de Woody Allen!

Desta vez, um texto-não-spoiler que mostra uma outra faceta do véião: o humor retratado por meio das palavras.

Bão minha gente, este textículo que eu coloquei acá para vocês é um conto retirado do livro Cuca Fundida, que reúne alguns dos que foram publicados na revista New Yorker. Este se chama Minha Filosofia. Hauhauahuahau, eu si divirto de-mais com ele!
Enjoy!!!


"Querem saber como comecei a desenvolver minha filosofia? Foi Assim: Minha mulher, ao convidar-me para provar o primeiro suflê de sua vida, deixou cair acidentalmente uma fatia dele no meu pé, fraturando com isso diversos artelhos. Médicos foram chamados, raios X tirados e, depois de examinado do tornozelo aos pés, mandaram-me ficar de cama durante um mês. Durante a convalescença, dediquei-me ao estudo dos maiores pensadores ocidentais - uma pilha de livros que eu havia reservado justamente para uma oportunidade dessas. Despresando a ordem cronológica, comecei por Kierkgaard e Sartre e depois passei rapidamente para Spinoza, Hume, Kafka e Camus. Não me entediei nem um pouco, como supunha. Ao contrário, fiquei fascinado pela lepidez com que esses gênios demoliam a moral, a arte, a ética, a vida e a morte. Lembro-me de uma observação (como sempre, luminosa) de Kierkgaard: "Toda relação que se relaciona consigo mesma (ou seja, consigo mesma) deve ter sido constituída por si mesma ou então por outra". O conceito trouxe lágrimas aos meus olhos. Puxa vida! - pensei - isso é que é ser profundo! (Eu, por exemplo, sempre tive dificuldades na escola com aquele clássico tema de redação "Meu dia no zoológico")É verdade que a frase continuava completamente incompreensível para mim, mas que importava isto, desde que Kierkgaard estivesse se divertindo? De súbito, convencido de que a metafísica era a obra que eu estava destinado a escrever, tomei papel e lápis e comecei a rascunhar minhas primeiras reflexões. O trabalho progrediu depressa, e em apenas duas tardes - com intervalo para uma soneca e para assistir um desenho animado - consegui completar a obra filosófica que, segundo espero, não será divulgada antes de minha morte ou até o ano 3000 (o que vier primeiro), e a qual me garantirá um lugar de honra entre os maiores pensadores da História. Eis aqui uma pequena amostra do tesouro intelectual que deixarei para a humanidade - ou pelo menos, até a chegada da arrumadeira.

1. Crítica do Horror Puro
Ao formular qualque filosofia, a primeira consideração sempre deve ser: O que nós podemos conhecer? Isto é, o que podemos ter certeza de conhecer ou de saber que conhecemos, desde que seja algo conhecível, é claro. Ou será que já esquecemos e estamos apenas com vergonha de admitir? Descartes roçou o problema quando escreveu: Minha mente nunca poderá conhecer meu corpo, embora tenha ficado bastante íntima de minhas pernas. E antes que me esqueça, por conhecível não me refiro qo que pode ser conhecido pela percepção dos sentidos ou ao que pode ser captado pela mente, mas ao que se pode garantir ser Conhecido por possuir características que chamamos de Conhecibilidade pelo conhecimento - embora todos esses conhecimentos possam ser ditos na frente de uma senhora.

Será que podemos realmente conhecer o universo? Meu Deus, se às vezes já é difícil sairmos de um engarrafamento! O problema, no fundo, é: há alguma coisa lá? E por quê? E por que tem que fazer tanto barulho? Finalmente não há dúvidas de que uma característica da realidade é a de que lhe falta substância. Não quero dizer com isso que ela não tenha substância, mas apenas que lhe falta. (A realidade que estou falando aqui é a mesma que Hobbes descreveu, só que um pouquinho menor.) Logo o dito cartesiano Penso, logo existo seria melhor expresso na forma de Olha, lá vai Edna com o saxofone! . Do que se traduz que, para conhecer uma substância ou uma idéia, devemos duvidar dela e, ao duvidar, chegamos a perceber as características que ela possui em seu estado finito, as quais são por si mesmas ou de si mesmas ou de qualquer outra coisa que não tem nada a ver. Se isto ficou claro, podemos deixar a epistemologia de lado provisoriamente e mudar de assunto.

2. A Dialética Escatológica como um Meio de Conbater o Herpes
Podemos dizer que o universo consiste de uma substância e a esta substância chamaremos de átomos ou, quem sabe, de mônadas. Demócrito chamava-a de átomo. Leibnitz preferia mônadas. Felizmente, os dois nunca se encontraram, se não teríamos pancadaria da grossa. Estas partículas foram acionadas por alguma causa ou princípio subjacente, ou talvez tenham apenas resolvido dar uma voltinha. O fato é que já é tarde para fazer qualquer coisa a respeito, exceto provavelmente escovar os dentes quatro vezes ao dia. isto, naturalmente, não explica a imortalidade da alma. Não implica sequer a existência da alma nem chega a me tranquilizar quanto à sensação de estar sendo seguido por um guatemalteco. A relação causal entre o princípio-motor (i.é, Deus ou uma ventania) e qualquer conceito teológico de ser (entre outras palavras, o Ser) é, segundo Pascal, tão lúdica que nem chega a ser engraçada (ou seja, engraçada). Schopenhauer chamou a isto o vir-a-ser, mas seu médico diagnosticou-o simplesmente como alergia a penas de ganso. No fim da vida, Schopenhauer tornou-se amargurado por este conceito, ou talvez tenha sido pela sua crescente suspeita de que não era Mozart.

3. O Cosmos a 5 dólares por dia
O que é, então, o belo? A fusão da harmonia com a virtude? Ou da harmonia com qualquer outra coisa que apenas rima com virtude? Se tivesse fundido com um alaúde, o mundo seria muito mais tranquilo. A verdade, como se sabe, é a beleza ou o necessário. Isto é, o que é bom ou possui as características de bom resulta na verdade. Se isto não acontecer, pode ter certeza que a tal coisa não é bela, embora possa ser até à prova d'água. Comoço a me convencer de que tinha razão, e que tudo devia rimar com alaúde. Ora bolas.

Duas parábolas
Um homem aproxima-se de um castelo. Sua única entrada está guardada por hunos ferocíssimos que só o deixarão entrar se ele se chamar Julius. O homem tenta subornar os guardas, oferecendo-lhes o seu estoque de fígado e moelas de galinhas. Não recusam nem aceitam oferta - apenas torcem o seu nariz como se ele fosse um saca-rolhas. O homem argumenta que precisa entrar no castelo, porque está levando uma ceroula limpa para o imperador. Os homens dizem não outra vez e o homem começa a dançar o charleston. Eles parecem apreciar sua agilidade, mas logo se irritam porque se lembram da maneira pela qual o governo está tratando os índios. Já sem fôlego, o homem desmaia e morre, sem nunca ter visto o imperador e devendo a uma loja de eletrodomésticos um piano que havia comprado à prazo.
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Recebo uma mensagem para entregar a um general. Galopo, galopo e galopo, mas o quartel general parece cada vez mais distante. De repente, uma pantera negra gigante salta sobre mim e devora meu coração e meu cérebro. É lógico que isso estraga definitivamente a minha noite. Por mais que eu corra, já não consigo chegar ao general, o qual o vejo a distância, de cuecas, murmurando a palavra "nóz-moscada" contra seus inimigos.

Aforismos
É impossível encarar a própria morte objetivamente e assoviar ao mesmo tempo.
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O universo não passa de uma idéia passageira na mente de Deus - o que é um pensamento duplamente desagradável se você tiver acabado de pagar a entrada de sua casa própria.
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Não há nada de mal com a vida eterna, desde que você esteja convenientemente vestido para ela.
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Imaginem se Dionísio ainda estivesse vivo! Onde iria comer?
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Não apenas Deus não existe, como tente encontrar um bombeiro num fim-de-semana