Nat
Eu decidi que nessas férias iria tirar o atraso das leituras que eu tanto queria ter feito no resto do ano e não fiz.

Pois bem.

Estava eu ontem lendo Budapeste, aquela narrativa meio confusa do Chico Buarque- acho que quem já leu o livro sabe exatamente do que eu estou falando. E há pouco tempo eu li Estorvo, também dele. Este último, mais confuso ainda. Mas não é nem este o ponto que eu quero entrar, de ser um livro doido ou não, bom ou ruim, nada disso. O que a leitura me causou foi a seguinte dúvida: até que ponto aquilo que um autor escreve são elementos seus... o que ali é uma faceta do escritor - embora possa ser uma faceta mascarada, é só lembrar de Fernando Pessoa - e o que é algo puramente ficcional? Será que dá pra separar? Fiquei com isso na cabeça porque, com base neste dois livros, comecei a imaginar como seria a própria personalidade do Chico, aquilo que vai além de suas músicas, que não deixam de ser outra forma dele expressar seu eu - que eu, Nathaly, particularmente ADORO. Foi por gostar tanto das músicas dele que procurei suas narrativas.

Lendo aqueles comentários babação de ovo na contracapa do livro, tinha uma citação do Saramago que eu prestei um pouco mais de atenção, porque né? Não era o Zezinho de uma revistinha qualquer querendo puxar o saco do autor do livro como é comum em várias publicações... é alguém que entende daquilo que lê, entende sobre o quê as pessoas escrevem. Anyway, o que o português falou, em síntese, foi sobre um novo jeito de se expressar, sobre algo novo que foi aqui criado no quesito construção de uma história e utilização da linguagem; enfim, só falou bem, o quanto o Chico foi feliz em escrever este livro.

Eu, particularmente, ainda não sei se gosto ou desgosto. Um dos motivos de eu não ter uma opinião formada ainda é que não finalizei a leitura. Mas até agora a história me apeteceu, sim. Algo que ficou muito marcado pra mim foi justamento quanto algumas características do homem de hoje são retratadas nele:

- O livro tem uma escrita corrida, fugaz, parece que foi feito num fôlego só, me remetendo justamente a pensar na rapidez com a qual as coisas ocorrem neste mundo, uma das características mais marcantes dos nossos dias;

- O personagem principal é um tanto perdido quanto a si mesmo, um trabalhador/escritor que tem o papel de se passar por outras pessoas, de escrever pelos outros, sendo que seu estilo é não ter um estilo, caracterizando um trabalho esvaziado. As suas relações com a esposa e com o filho também são influenciadas por esta vazio do personagem, se manifestando pelo distanciamento, pela ausência de um real vínculo entre eles, na pouca participação de um na vida do outro - o típico trabalhador alienado, mostrando claramente o quanto o trabalho contribui na construção da própria personalidade individual e nas relações que são estabelecidas com o mundo (a teoria sócio-histórica passou por aqui e deu um hello pra gente)

- A agitação, a inquietude, o ar cosmopolita de um personagem que passeia por vários lugares do mundo, do país, ou mesmo de sua cidade, como quem troca de roupa. O típico espírito globalizado, que nos é revelado pela quebra da linearidade da narrativa e pelo próprio estilo da escrita do Chico, o famoso estou-em-vários-lugares-ao-mesmo-tempo.

*

Acredito que outros elementos deste livro podem ser citados para auxiliar no desvelamento de tudo aquilo que caracteriza o homem do nosso tempo, mas não tenho a pretensão de me prolongar nesta análise.
Sem querer rasgar a seda para o Chico Buarque mas já rasgando, dá pra entender perfeitamente porque o Saramago falou bem do livro: é uma obra bem escrita que sintetiza a história do homem de seu tempo, uma história que poderia ocorrer em qualquer lugar do mundo, porque muitos homens ao redor deste mesmo mundo tem esta igual "conformação individual", este mesmo estilo de vida, estes mesmos problemas, estas mesmas dúvidas. É um retrato da nossa sociedade, de parte dela.

Olhando para o passado, para a obra do Chico Buarque, a gente vê que ele sempre conseguiu exprimir muito bem aquilo que muitos sentiam, o que estavam vivendo... passando pelom período da ditadura militar do nosso país (Cálice, Meu caro amigo), a vida difícil do nosso povo (Construção), a condição humana (Ode aos ratos), o amor (Cotidiano, Eu te amo), ihh, tanta coisa...

Hoje, elaborando este post, eu por acaso lembrei das minhas aulas de literatura no colegial, que eu tanto gostava. Algo que que me marcou muito foi o que aprendi quando estudamos as vanguardas européias, as obras de arte e as literárias daquele tempo e posterior a ele: o que determina a importância de uma manifestação artística não é apenas a sua beleza ou aquilo que venha a representar, porque como todos nós podemos inferir, os valores e os padrões estéticos variam de acordo com a época em que se vive; a relevância de uma obra está justamente na sensiblididade do artista em conseguiu captar as tendências de seu mundo e transmitir de uma forma que seja não só bela, mas coerente com o seu tempo, com o seu momento histórico e, ainda por cima, muitas vezes para ser reconhecido o cara precisa dar um salto de qualidade, fazer algo novo. Eu não estou dizendo que o Chico Buarque fez isso em seu livro Budapeste, não me entendam mal, hahaha, nem tenho conhecimento suficiente de literatura pra fazer uma afirmação categórica deste naipe; mas por outro lado, não tem como fechar os olhos para o fato de ele ser O artista.

Pra quem pretende ler o livro, procurem olhá-lo com este olhar... quem sabe ele num fica um pouco menos doido.



2 Responses
  1. Nanda Nat Says:

    Olha... O chico é demais, mas o budapeste... larguei no meio do caminho, anos e anos atras. Nunca quis recomeçar, não me tocou. No mais, quero ir pra budapeste. Vamos?

    Só vi alguns dos filmes, amelie, peixe grande, jardineiro fiel. O que mais me tocou foi rei leão, ctz.

    Viu, me deves umas dicas cinematográficas.

    Beijo.


  2. Nat Says:

    Hauhauhaua,
    Vai do estilo da pessoa, Fê. Eu achei o livro ótimo, ainda mais agora que terminei de ler.
    Fiquei MORRENDO de vontade de conhecer Budapeste também...
    Vou deixar como uma nota mental: quando eu for pra Budapeste, vou te convidar pra ir junto.
    Sobre os filmes, seria uma boa você assistir agora que está sem aulas, né? Fico de te dar as dicas assim que nos encontrarmos no msn! ;)